terça-feira, fevereiro 17, 2009

Oitava arte

Loira oxigenada, ligeiramente desdentada, caminha furiosa mas convictamente na direcção oposta à dos ciganos.

- Fuoda-se que cheiro!

Continua a afastar-se.

- É, é...! Eu quero é bêr em que paragem bocês saiem! Rebento-bos as pernas a todos!

Duas desconhecidas recebem a sua inesperada companhia.

- Isto é assim filha! Bieram-se todos sentar à minha beira! Mal-cheirosos! Eu é que lhes digo, bieram todos práli prá minha beira, mas eu tenho esta aqui oh!

Mostra a arma.

- Carregadinha!

Puxa o ferrolho.

- Rebento-lhes aquelas pernas que eles beêm, hah!

Guarda a pistola dentro do casaco rosa. Arranja o cabelo oxigenadamente esticado no vidro espelhado da janela.

- Bocês uondé que bom saire?
- Campanhã.
- Eu conheço-te!
- Eu também te conheço a ti... eu sou de Guimarães.
- Ai és? Mas eu conheço-te! Debe ser da noite! Onde é que páras?
- bar-potencialmente-cool-mas-cujo-nome-não-consegui-ouvir.
- Hum.

Pausa. Lá fora, uns senhores com casacos azuis escuro e máquinas calculadoras que acendem luzes vermelhas ou verdes, consoante o conteúdo do andante.

- Não saias naum! - Avisa o velhote.
- Olha filha, parece quéqui que bou ter que sair!

O tom de voz sobe, em jeito teatral, certamente tentando chamar a atenção do seu único mas adormecido neurónio.

- Parece quéqui! É aqui o bulhom num é? Ai, deixa-me ligare...

Sai.

- TOU! JÁ SAÍ, TOU NU BULHOM! ERÁQUI QUE TINHA QUE SAIR NUM ÉRA?

- O seu bilhete por favor.

Os ciganos procuram, em vão, o andante carregado. Da última vez que se lembram, não estava nos seus bolsos.

Mais um dia normal nos transportes públicos portuenses...

Sem comentários: